Ele não foi apenas um “Conterrâneo Velho de Guerra”, para muito além, um ícone da cultura brasileira, do cinema e dos movimentos políticos e sociais, um sábio da simplicidade e agente de ensinamentos.
Vladimir Carvalho, com seu biotipo franzino, sorriso aberto, gestos leves e olhos de águia – fez história, encantou e compôs além de tantas películas formou um raro acervo material e imaterial que nos deixa como um rico legado.
Meu vizinho de estado, pois era paraibano e eu cearense, de SQS (103/104), de encontros no supermercado, de eventos culturais. Detentor de um espírito acolhedor e cordial. Era um homem “analógico”, pois ele não era usuário de redes sociais, de e-mails, de WhatsApp, para quê? Sua comunicação verbal, seu olhar, seu saber escutar, já falavam por ele, portanto, não precisava suplicar nada, o universo naturalmente conspirava a seu favor.
Vladimir Carvalho, contava histórias de resistências do regime militar reinantes no início da década de 1970, falava de temores, de horrores, mas, de amizades e de “causos” também. Bem humorado, ele recordava as vivências e os desafios das bandas do rock de Brasília com quem manteve uma estreita relação de convivência e trajetória na produção do filme ROCK BRASÍLIA ERA DE OURO, do qual ele assim resumiu: “Eles cantaram uma geração, agora é a vez de contar sua história”. E assim o fez! Um apaixonado pela Universidade de Brasília, pelas andanças, um contador de histórias, um andarilho da cultura, da paz, do afeto e da gentileza.
Contou-me minuciosamente a transferência do nosso querido amigo, colega e bibliotecário, ex-professor da UnB, editor, Briquet de Lemos. Foi Vladimir Carvalho quem colaborou para que o capítulo que escrevi sobre esse ex-diretor do IBICT, saísse tão bem. Vladimir fez questão de me entregar em mãos um texto manuscrito e ainda me presenteou com um DVD, versão original do filme sobre o Rock Brasília, uma relíquia que guardo com muito afeto.
Conhecer seu acervo de imensa preciosidade foi um encanto. Durante uma mágica manhã, viajei em suas memórias guardadas numa casa na W3 Sul, como ele a referenciava, “em frente ao ‘Santander Select”, foi em sua agradável companhia que tive o privilégio de ouvir de sua sagrada e afinada voz, uma verdadeira aula de história e de cinema. Manhã especial que ele demonstrou orgulho de sua extensa produção cinematográfica, mas, revelou naturalmente, um certo temor em relação ao destino daquele raro e precioso patrimônio cultural.
Sua enorme gentileza e humildade somada a tamanha sabedoria e conhecimento, ultrapassava a vaidade do ser humano: Doutor? “Não, eu sou um mestre do cinema, da vida”.
Das tantas coisas boas da vida, sem dúvida as mais simples e de simplicidade ele entendia muito bem, ele transmitia em poucas palavras, e assim nos fazia conhecê-lo melhor e identificar mais alguns de seus inúmeros talentos; amante da boa gastronomia, sabia apreciar quem cozinha bem e assim se pronunciou: “cozinhar é uma arte Ana Suely”.
Ensinamentos, foram inúmeros: “Arquivista não, você é arquivologista, você fez arquivologia, assim como o economista fez economia”. Ficava encantada com cada aula proferida por ele em breves palavras.
Querido amigo, conterrâneo, professor, nobre cineasta, desejo que continues a andarilhar em seus sonhos, passeios, paisagens, imaginação e a construir belezas em outra dimensão, com a mesma leveza e luz de uma manhã que tanto me encantou e que hoje não passa de uma bela e saudosa recordação guardada para sempre em minha memória afetiva.
Que o sonho da sua cinemateca se concretize, resplandeça, encante e transmita suas histórias às gerações vindouras.
Ana Suely P. Lopes. Dra. em Ciências da Informação – jornalismo e estudos midiáticos, Mestre em Patrimônio Cultural, Bibliotecária, Arquivista e Escritora.